quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Monólogo- A um passo da insanidade

Podia-se ouvir o andar do gato pela casa semi-oca, a televisão servindo de espelho para um silhueta feminina prostrada no único sofá da sala.Cabelos negros e compridos, fios sem nexo a tampar um rosto pálido da ausência de sol, olhos castanhos claros, um dia vivos e hoje opacos, sem vida. Boca sem movimento, seca, até arroxeada, corpo magro jogado no sofá verde-musgo. Whisky barato sobre a mesa de centro, um copo pela metade, computador do lado, uma linha escrita do sexto livro que lançaria antes dos 25 anos. O sol começava a nascer e um raio de luz atravessou a janela que pela primeira vez em seis meses se encontrava aberta, descobria-se pela luz então diplomas, medalhas entre outras mais parabenizações  estampadas na parede com grande teias de aranhas sobre eles, já se encontravam ate pouco legíveis , havia ali uma carreira brilhante dentro daquela existência feminina. Não saía de casa no mínimo a seis meses, não falava com amigos, não falava com seus pais, contatos para trabalho apenas por e-mail, mandava seu livro e eles publicavam apenas isto, comida era trazida a cada duas semanas, o pagamento era recebido e analisado via internet, tinha um mundo em nove cômodos de uma casa praticamente vazia. Os vizinhos se assustavam de não ouvir nenhum barulho, as vezes havia uma conversa de poucas palavras com seu gato cinza a quem chamava de Bartolomeu, viva estava fisicamente falando, mas seu espírito morto, não havia vida, aquilo era apenas uma existência. Não dormia a duas semanas, os remédios que ela se auto-medicou ja não lhe serviam mais, não faziam efeito, mal sabia o porque de ainda toma-los.
Ouvi um barulho conhecido vindo da rua, não se dera conta de que era sábado e as crianças saíam de casa e começava a algazarra feliz de todas estas manhas. Tomou um gole de Whisky e se dirigiu a janela, arreganhou-a mais ainda e subiu-a, sorriu satisfeita, o sofrimento poderia acabar ali. Fechou os olhos, mais um passo e tudo estaria acabado, podia ate imaginar o baque no chão, seria tão suave a felicidade pós-sofrimento. Pronta a dar o passo, seu pé já estava no ar pronta a desvencilhar-se a sete metros de altura, então seu gato lhe roçou as pernas. Ela se assustou, mas equilibrou-se a tempo, de certo estava com fome, o sofrimento poderia durar mais alguns minutos. Desceu, foi ate a cozinha e pôs comida para seu gato, voltou correndo para a janela mas as crianças já haviam ido embora, desapontou-se, de que adiantaria acabar com seu sofrimento sem traumatizar alguém?
Virou-se de costas, mordeu os lábios, aquele gesto conhecido de quando ela se punha a pensar em algo, dedilhou sobre a parede. Precisava dormir. De um supetão, foi em direção do banheiro, olhou-se no espelho do armário, notou sua sem graceza, abriu o armário e sobre um copo foi colocando remédios que pareciam não acabar mais, entre soníferos e anti-depressivos o copinho foi se enchendo, doze comprimidos. Bebeu-os com agua da torneira mesmo, olhou-se no espelho e seu reflexo sorria para ela mesma, respondeu ao sorriso com ignorância, voltou-se para o vaso sanitário e pôs-se a provocar vomito, até tirar de seu intestino aqueles comprimidos. Tomou agua e virou-se para o espelho, ele voltara a refletir o normal dos acontecimentos; "Subconsciente cínico", resmungou ela se dirigindo de cabeça baixa para o seu quarto, de repente se deparou com um par de pés, subiu os olhos devagar, viu-se de frente para si mesma. Olhou para os olhos do seu ser e pensou alto " Pela falta de sono, meu subconsciente e consciente estão desequilibrados, assim como nos sonhos é o subconsciente que trabalha e eu não ando sonhando, então ele veio fazer alguma parte desse meu estado de desequilíbrio, então eu sou o consciente e você meu subconsciente", dedilhou seu próprio queixo achando aquilo interessantíssimo. " Com licença, vou dormir e te por no seu lugar!" pediu ela para seu subconsciente desequilibrado que lhe deu passagem e foi deitando-se na cama.
-É difícil dormir com a consciência pesada não é? - disse seu subconsciente.
-Não tenho consciência pesada!- disse Pallomah.
-Você é esperta e sabe muito bem que tem sim, eu sou você, meus pensamentos são seus só que mais escondidos, subentendido sobre suas memórias, então eu falo a verdade, você sabe que não posso mentir.- Pallomah sabia que aquilo era verdade, então se calou.- Consciência pesada por que o seu sofrimento foi causado por você mesma.
-Por nós querida, por nós.
-Não, por você mesmo. eu sempre lhe dei boas dicas sobre o que queria, sempre você sonhou que estava feliz, namorando, saindo com os amigos, casando-se, ajudando seus pais a se mudarem para uma casa melhor, você é que sempre quis o lado mais fácil, se fechar para o mundo. Ele é sujo, sim ele é, ele é pecaminoso, fútil, ignorante, sim ele é! Nós sabemos, mas me diz o que você é, você é suja, assassinou alguem, o seu próprio ser, se matou por motivos profissionais como se isso alimentasse sua vida.
-Fiz isso para sermos felizes! Entenda!
-E somos felizes? Somos? Olhe para você, nem parece ter 24 anos, você acha que é isso que queremos? Olhe para mim! Olhe para mim! Eu sempre fui uma garota feliz, sempre quis isso, sempre quis dividir as coisas com alguem, casar-me e ter com quem conversar!
-Cale-se!-mandou Pallomah, olhando para o lado esquerdo da cama que se encontrava vazio.
-Não me calo, não, não me calarei! Cansei! Onde estão nossos pais? Morreram?Estarão doentes agora? Necessitando de nossa ajuda? O que pensa que está fazendo com aqueles que lhe deram a vida, apoio e segurança!
-Eles ajudaram a me tornar o que sou!
-Não, foi você, sempre desviando do que eles propunham, não era isso não e você sabe disso! Onde estão nossos amigos?
-Não necessito deles!
-Necessita sim, o que acha? Quem lhe dará apoio quando o mundo começar a desabar sobre você, com quem saíra para outros lugares? Onde está a Pallomah de oito anos atras, aquela garota com sonhos, aquela menina de olhos tão inocentes, que via toda a maldade do mundo mas pensava racionalmente em como acaba-los, que achava que a educação era base de tudo e não achava que poderia livrar o mundo se se escondesse dele! Você me enoja!
-E nós com isto? E nós com o mundo?
-Sabe Pallomah, porque odiamos tanto o mundo? Ou a felicidade dos outros? Por que invejamos a capacidade dos outros de serem felizes, por que não conseguimos fazer nossa felicidade nem dos outros que nos cercam, trazemos apenas espinhos, problemas!
-Saia deixe-me dormir!-gritou Pallomah chorando desesperadamente, seu subconsciente se abaixou e deixou que os olhos se encontrassem.
-Pallomah, use a lógica, eu estou aqui falando o que você gostaria de falar para si mesma, eu sou você, o que eu falei é a minha verdade, é a sua verdade! Entenda, por favor!- Pallomah enxugou as lágrimas levantou os olhos para o céu, mordeu os lábios, a loucura estava ali, e seria esta a reposta para acabar com ele? Saiu correndo até a sala, pegou o telefone e discou um número.
-Mãe? Tem almoço que dá para mim?- pode-se ouvir um choro de alegria do outro lado do telefone e fora a primeira vez em oito anos em que ela sorrira de alegria e não de cinismo ou ironia.Ela virou-se para a porta do quarto e seu subconsciente dava um largo sorriso e foi desaparecendo, Pallomah podia senti-la dentro de si e chamou-a de alegria!