segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O conto o qual você não entenderá

A cidade estava vazia naquela tarde de sábado, todos os moradores haviam se deslocado para vigília que era tradicional na cidade há mais de séculos. Ela como sempre, não seguia os padrões dos outros nativos por questionar demais, não havia ido na vigília nem sobre a forte pressão dos pais. Sentada na janela de casa ela sentiu vontade de libertar-se, sentiu uma sensação comum de que algo estava errado em sua mente e várias horas de meditação seriam necessárias para por ordem no seus pensamentos. Saiu de casa, e pôs-se a caminhar na rua empoeirada, vazia, o vento soprava e carregava as folhas do outono para todos os cantos da cidade, a vida tão marrom daquele outono lhe agradava tanto, parecia combinar com sua personalidade um pouco fora do comum, gostava da solidão e do que ela lhe proporcionava. Andou em linha reta, tentando achar em sua mente o que lhe provocava desconforto. Nada! Andou mais um pouco e viu a pelo menos quinhentos metros dela uma silhueta muito mal definida, parecia um homem, não tinha certeza. Ela foi caminhando, não imaginava quem seria aquele que ousava assim como ela desafiar a crença daquela população fervorosa na fé. Ele parecia também a corresponder andando mais depressa em sua direção, o coração dela acelerou, suas pernas ficaram sem forças, mas continuou firme. Podia confirmar que se passava realmente de um homem de sobretudo marrom escuro. Ambos aceleraram os passos, o vento estava mais forte e folhas amareladas voavam para todos os cantos, seus cabelos de cor indefinida esvoaçavam as vezes tapando seu rosto. A distancia cada vez diminuindo e os corações de ambos cada vez mais acelerados como se o encontro fosse planejado, e aquele seria o ultimato a não sabe-se o que. Em fim estavam um a poucos metros do outro, pararam. Os olhos se encontraram, ambos cor de céu, na mente de ambos havia um sonho em comum, alguma  vez encontraram-se em um sonho, e desde então ele a procurara incessantemente . Os dois se aproximaram mais, poderiam sentir a respiração abafada de cada um deles, os olhos se entregavam. Sim, o tempo parou naquele instante.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Questionando um ponto de vista inexistente

Disseram-me um dia “Questione! Pois toda e qualquer descoberta nasce de uma pergunta que não se cala na mente de um ser em sua existência.”. Questionei um dia os sentimentos, soube então que não passam de reações dos hormônios que liberam substancias que nos promovem sensações diferentes dependendo dos seus estímulos; então deixei de sentir. Questionei um dia a crença, soube então que nós desde os primórdios da existência humana somos necessitados de acreditar em algo maior que nos protege e nos vigia; então deixei de crer. Questionei um dia os sonhos, soube então que não passam de uma manifestação criativa da psique  que transcende os meros cinco sentidos; então deixei de sonhar. Questionei um dia o meu ser, olhei-me no espelho e soube então que sou apenas um ser que já não sente, que já não crê, que já não sonha, então deixei de ser um “ser”. Questionei-me um dia minha existência, soube então que a existência depende do fato de eu ser eu como um “ser” que crê, que sente e que sonha, como não sou, então deixei de existir. Questionei um dia o questionamento, soube então que o questionamento é a pergunta que não se cala na mente de um ser na sua existência que o leva a toda e qualquer descoberta, como não existo por não ser um ser, pois nada sinto, nada creio e nada sonho; então deixei de questionar.


Colaboração: Marcos Nishimaru 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sozinha,Ela, a escuridão e a consciência...

Estava entre as ferragens do carro junto com sua mãe e seu pai, balançou-os para ver se eles acordavam mas eles nem se mexeram, estavam frios, com certeza mortos, ela então começou a chorar, não podia se soltar porque estava presa e perdia muito sangue em um corte nas costas. Sentiu dificuldade para respirar, de repente desmaiou. Acordou no hospital, máscara de gás no rosto, um homem de branco lhe forçando o peito, olharam pra ela e sorriram, mas logo viu seus pais ao lado da maca, sorrindo para ela e lhe estendendo a mão, ela então sorriu e deu a mão a eles, e o rosto do homem de branco foi mudando e agora estava gritando "Rápido, estamos perdendo ela, vamos!", de repente tudo ficou negro.
Acordou de manhã com sua mãe gritando:
-Ei mocinha, temos escola hoje se esqueceu? Chegou tão cansada da viagem que nem estava se lembrando da escola não é? Fiz panqueca de queijo como você gosta!- ela apalpou a si mesma assustada, tivera apenas um sonho ruim, ficou aliviada e sorriu de pensar em seu sonho que parecia tão real.
Vestiu-se rápido desceu, comeu e foi saindo, encontrou seu melhor amigo e vizinho de infância ao lado da sua casa, ele sorriu e eles foram a escola. Foi um dia normal como qualquer outro dia, a escola chata, com seus amigos desanimados e um mundo que a convidava a visitar. Voltou para a casa no fim da aula, quando notou na mesa sua avó, seus olhos lhe esbugalharam, ficou sem voz, sem ar.
-O que foi filha? Não vai falar com a sua avó?
-Sua benção vovó! Desculpem, mas vou subir para o meu quarto, estou sem fome.
Subiu as escadas depressa, sua avó havia morrido há dois anos, como poderia estar lá? Sentiu uma dor nas costas, tirou a blusa e viu a cicatriz de um corte, parecia ter anos, mas não se lembrava de como ou quando foi feito. A cabeça estava confusa. Alguém bateu na porta:
-Filha! Como você está?
-Estou bem mãe, pode deixar!
-Filha abre a porta para mim?
-Mãe, é que eu estou trocando de roupa.
-Filha abre a porta!- disse sua mãe com uma voz alterada.
-Abre a porta para vovó te ver, abre!
-Não, agora mesmo eu desço!
Houve um silêncio e logo depois um estampido, haviam quebrado a porta e sua família toda estava ali na porta, com um jeito ameaçador.
-Dúvidas querida? Vem aqui que mamãe te explicará tudo.
-Saia de perto de mim!
-Porque isso? Mamãe te ama!
-Você não é a minha mãe, e eu nem sei quem sou.
-Você é a menininha da vovó!
-Você está morta! Não me chame assim!- sua avó já mudara a figura do rosto.
-Entenda, esta é a ordem natural das coisas. Não nos trate assim nós lhe demos a vida, conviverás conosco por muito tempo!
-Prefiro morrer a viver com vocês, vocês estão mortos, vocês não existem, saiam daqui!-soltou um grito ensurdecedor.
-Mas você já está morta querida, morrer de novo para que? A cada vida um novo ciclo começa, uma nova dimensão a você é dada, então apenas viva a sua morte.- a velha sorriu ironicamente.
Ela os olhou diante do reflexo do espelho, não havia reflexo, eles não eram nada, absolutamente nada. Ela sem uma gota de lágrimas nos olhos, pareciam estar secos, ajoelhou-se no chão, e naquele instante estava ela  numa sala escura, sem paredes, apenas escuridão, era aquela sua vida, se é que posso chamar isso de vida.Gritou, gritou por horas seguidas a espantar a dor.
Estava morta, fato, havia morrido no acidente o qual pensara ser apenas um sonho. Sozinha, Ela, a escuridão e a consciência de que depois da morte, realmente não havia nada, absolutamente nada!

sábado, 4 de setembro de 2010

La Paloma...

Corria pelas ruas de São Paulo como uma louca, parecia estar em pânico, olhava para trás constantemente, algo a perseguia. Havia terminado de chover a poucos instantes, as ruas estavam escorregadias e ela mal parava em pé, sua roupa estava suja de barro, seu cabelo preto estava colado em seu corpo por causa do suor. Olhava a cena da minha janela, não entendia do que ela corria, ou de quem, resolvi ajuda-la, desci as escadas de casa, abri a porta e a puxei para dentro no exato momento que ela passava.
-El quiere de mí?- disse ela ostilmente.
-Acalme-se moça, só quero lhe ajudar.
-No, no, déjame ir! Por favor déjeme, nadie me puede ayudar!
-O que foi Marcos, que barulho é este aqui?- disse Yoshie mãe de Marcos que se assustara com o barulho.
-Mãe ela precisa de ajuda.- Yoshie ja foi tirando sua blusa de frio e envolvendo a moça que já estava se acalmando.
Sentada no sofá da sala com uma xícara de chá na mão, todos a olhavam.
-O que faz aqui menina?- perguntou Dona Yoshie.
-No sé, no sé dónde estoy ni cómo llegué aquí esta todo tan confuso!-disse a moça começando a chorar.
-Ei, ei, acalme-se, não chore! Sabe pelo menos o seu nome?- a moça olhou para a janela e viu uma pomba sobrevoar o local.
-Paloma. Tengo que ir, gracias, tengo que ir!- disse ela vendo uma arvore balançar.
-Espera o que houve?
-Usted no puede ayudarme , yo no quiero salir lastimado por mi culpa.
-Me diga! Por favor!-disse Marcos olhando no fundo daqueles olhos negros.
-Sólo me dicen que puedo manejar solo, hay cosas que no quiero vivir, ni los que me ayuda, entonces te enteraste antes de que me tengo que ir.
-Não há nada que possamos fazer?
-No, no puedo hacer otra cosa que tratar de sobrevivir, y olvídate de mí. Dale esto al Padre Juan Pablo en catedral San Francisco, dijo que su hija le dijo que él entenderá.
Ela tirou a blusa que Yoshie havia lhe dado e deu um beijo em sua testa, um beijo carinhoso de agradecimento por tudo, virou-se para Marcos, deu-lhe um beijo no rosto e sussurrou apenas "Hermano, tenga cuidado". Correu em direção a janela e pulou do terceiro andar, ambos correram para ver se ela havia morrido, mas nada havia no chão, ela havia sumido, e talvez para sempre.
Marcos pegou o bilhete que ela havia lhe entregado para que ele levasse até o Padre, segurou-o forte no peito como se aquilo fosse tão valioso quanto sua vida. Foi andando até a catedral, olhando para os lados com medo que alguem o seguisse. Bateu na porta da Catedral, um velho abriu a porta e ele lhe entregou o papel, ele leu e as lágrimas de alegria rolaram em seu rosto flácido, ele apenas disse "Está viva", Marcos sorriu, ficou feliz de te-lo ajudado. O Padre lhe cutucou e mostrou uma imagem na parede, era uma pintura de época, pelo menos de uns 200 anos atrás, quando viu o rosto, notou que era extremamente parecido com o de Paloma, o Padre sorriu e Marcos virou-se para sair quando notou em cima da torre da catedral que Paloma estava lá, sorrindo para ele, mas logo sumiu em um piscar de olhos e lá só uma pomba pegava vôo no local.





sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Felicidade esta, que não era minha

Sentada na porta de casa em plena tardezinha de domingo, o sol já desejava esconder-se atrás da imensidão de montanhas. Ninguém na rua, apenas ela e eu escondido atrás do muro de minha casa, observando aquela garota estranha que morava ali mas que mal sabia o nome, uma brisa fria já cantarolava por entre as arvores e fazia com que seu cabelo balançasse. Olhava para o mundo tão parado naquele instante como se aquilo fosse a coisa mais linda do mundo, como se ela visse não como nós vemos, mas de modo diferente, não se sabia como explicar mas seus olhos tinham um brilho diferente. Sorria apenas de um lado do rosto o qual por coincidência era o único que havia aquelas covinhas na bochecha, não se sabia do que ria. Todos poderiam olhar para o mesmo local e não achariam graça, aquela felicidade era só dela e de mais ninguém.
Calça jeans desbotada e rasgada no joelho, tênis preto e camiseta da banda We are the Fallen, olhos levemente contornados de preto, cílios grandes e sobrancelhas alteadas, braços cruzados sobre as pernas dobradas sobre a escada da casa velha.
Olhou mais expressivamente ainda, como se algo se aproximasse dela, algo que eu não via, ela fechou os olhos de um jeito meigo como se alguém lhe afagasse o rosto. De repente virou-se como se escutasse algo muito perto dela, mas eu não escutei, fez uma cara de assustada, encurralada, com medo, hesitei em me levantar e ver o que estava acontecendo, balancei a cabeça confuso e voltei. E como se ela procurasse algo, o algo que estava ali, ela vasculhou com os olhos novamente por toda a rua vazia, fez uma cara de desapontamento, levantou-se, tirou a poeira do joelho, seguiu até a porta, pôs a mão na maçaneta e virou-se para o lugar onde eu estava:
- Sei que você esta aí Rodrigo e não, eu não estou louca, apenas com saudade!