terça-feira, 29 de março de 2011

Vida E Privada

Hora de relaxar, de pensar na vida, de fazer com que tudo que me faz mal e que não presta para mim ir por água a baixo. Momento de fazer com que eu fique mais leve, alegre, desinibida; momento de me esforçar ao máximo, de suar o rosto, de fazer careta e logo depois uma cara de alívio. Entro no banheiro, tranco a porta, abaixo as calças, sento-me na privada, apoio o queixo sobre a mão e conseqüentemente o cotovelo sobre o joelho e me trono a mais nova escultura de Auguste Roudin: A Pensadora! É chegado o momento de filosofar!
Há quem faça cara feia para este assunto, mas é a mais pura verdade, atire-me a primeira pedra quem nunca levou para o banheiro um jornal, revista, bula de remédio ou simplesmente parou para pensar na vida sentando num vaso sanitário.
Tenho quase absoluta certeza de que vários pensamentos, correntes filosóficas ou sociológicas, teorias físicas, biológicas ou químicas e até mesmo invenções surgiram do momento banal e crucial diário em que o sábio pôs-se a sentar no seu trono e fazer o número 2.
Já nota-se que a imagem passada do homem sábio está um tanto relacionada ao ato de estar sentado num lugar calmo, silencioso e sempre sozinho, talvez seja isso que faça com que o banheiro e seu tímido vaso sanitário sejam tão acomodadores e estimulantes.
Creio eu, que o simples fato da diária filosofia no momento da evacuação dos dejetos seja um dos poucos prazeres do homem moderno ainda conservado no seu processo evolutivo.
Os minutos no banheiro vão passando, suas vias nasais acostumam-se com o odor e os pensamentos críticos e inventivos fluem sem nem ao menos percebermos. Folheia-se uma revista, nota-se mais um escândalo político brasileiro e comenta-se aleatoriamente "Isso não está me cheirando bem!" referindo-se a notícia, é claro! Pequenas pausas são feitas diante do pensamento filosófico para que possamos "esforçar-nos" mais um pouco, dependendo da intensidade do esforço esboça-se um franzir de testa ou uma careta fantasmagórica, mas sempre procedida de uma face serena de um alívio tão bom. Então voltamos a filosofia.
Acho que podemos dizer que evacuar já não é mais apenas uma necessidade biológica, mas também uma necessidade intelectual. A ciência proclama pela emancipação dos filósofos de privadas. Para mim, deveria ser obrigatório a ida ao banheiro pelo menos três vezes ao dia, tudo pelo progresso e bem da ciência. E se me perdoarem o gracejo, digo mais, a filosofia no banheiro evitaria o acúmulo de merda, literalmente e figuradamente.
Agora, sem mais delongas, levanto-me do vaso, limpo-me, dou descarga nos meus problemas e vejo-os irem por agua abaixo. Olho-me no espelho, sinto-me ligeiramente sábia, lavo minhas mãos, abro a porta e saio aliviada. Filosofei demais por hoje, já chega!

quarta-feira, 9 de março de 2011

Filhos pródigos

Naquela casa de classe média em um bairro nobre de Nova York o silêncio dos moradores era mortal, os olhares medrosos e sofridos corriam cada canto da casa correndo de olhos conhecidos. Alguém bate na porta, todos se olham a fim de saber qual irá atender, a mãe da família vem da cozinha a correr e abre a porta num estampido:
- Sou Detetive do departamento de desaparecidos de Nova York... - antes que a mulher pudesse terminar a frase a mãe já empurrou-a pra dentro da casa.
- Por favor sente-se! - disse a mulher apavorada.
- Conte-me senhora Mashston o que houve antes do desaparecimento da criança!
- Eu fiz tudo que costumo fazer, as nove dei-lhe a mamadeira e o pus para dormir, Sam chorou um pouco e eu o observei da porta do quarto, pois ele sempre faz manha para não dormir no berço e sim comigo e com meu marido. Quando ele adormeceu eu também fui dormir, meu marido assistia ao final do campeonato de futebol e os meus outros dois filhos estavam no quarto deles, Benjamin estava dormindo e Jason jogava vídeo-game. - a Detetive percorreu os olhos nos moradores da casa, mas parou os olhos em Benjamin, algo naquele rapaz lhe chamou a atenção, mas logo voltou seus olhos para a mulher novamente - Logo, todos foram dormir e as uma da manha eu acordei e Sam não estava no berço. E o resto foi um alvoroço, por favor Detetive traga meu filho de volta.
- Farei o possível e o impossível, minha senhora! - ela olhou novamente para Benjamin que tinha uns 17 anos, fruto de um abuso sexual sofrido pela mãe quando ainda era adolescente, cara de garoto problemático, não gostava de enfrentar os olhos das pessoas, os dedos de suas mãos e dentes eram amarelados, de certo ele fumava algo mais caseiro o qual ele mesmo fabricava, por isso a presença de fumo nas mãos e seu jeito de se mexer denunciava uma brutalidade e impaciência quanto a tudo. - Por favor, deixe-me olhar a casa e procurar pistas sobre o desaparecimento?
- Claro, claro! -  a mulher choramingando respondeu-a e abraçou o marido, enquanto a Detetive subia as escadas.
Ela foi até o quarto do bebê, a porta estava apenas cerrada, a janela aberta e com as cortinas voando, típica cena de sequestro, de fora as primeiras quatro telhas estavam desalinhadas, ela esticou as mãos até a ultima telha desalinhada, sorriu. Voltou-se para o berço, o lençol não estava muito bagunçado e todos os pertences quanto a coberta e bolsa de emergência haviam sido levadas, ela então franziu a testa e assim continuou, parecia que ela começava a ter certeza da desconfiança. Quando saía do quarto, notou cinzas no chão e então correu ao quarto de Benjamin.
Vasculhou gavetas, mas não achou o que queria, de repente olhou parou, respirou e olhou para o teto. Havia um símbolo lá de uma seita satânica praticada por adolescentes de classe média e alta, ela então virou as costas e desceu as escadas:
- Vou contatar meus superiores sobre as pistas e já venho com respostas! - ela disse apressada para a mãe que a olhava esperançosa em pé na escada, a Detetive seguiu até Benjamin, farejou no ar um cheiro bem conhecido e sussurrou:
-Sabe que cheiro é este Ben? - ele acenou com a cabeça que não sabia - é cheiro de culpa! - ele arregalou os olhos e subiu para o seu quarto.
A Detetive saiu da casa, pegou o seu carro e partiu com pressa. Olhou as horas, eram 2:45, ela tinha 15 minutos para chegar até o local da seita.
Há uns seis minutos de lá, numa casa de madeira velha e podre, a Detetive parou o carro, deixou a arma no carro e correu para a casa. Rodeou-a e logo avistou uma pequena janela do porão, do lado havia uma entrada térrea a qual ela arrebentou o cadeado e adentrou.
O porão era enorme e tinha vários cômodos, todos de madeira podre e cheiro de animais mortos, ela ouviu um barulho estranho em um dos cômodos e quando ia chegando viu que dentro de uma enorme cuia de barro estava o pequeno Sam, ao redor dele várias pessoas com longas vestimentas pretas e aveludadas, uma mulher a qual estava mais perto do bebê segurava uma adaga que estava alinhada ao coração de Sam, esperando apenas apenas bater as três horas para que o sacrifício fosse feito, de certo era ela a chefe do grupo.
Quando a Detetive adentrou ao local, ela fez questão de bater com a mão na parede para chamar a atenção de todos, eles a olharam e ela sorriu. Ela foi passando entre eles, e todos iam caindo no chão, seus corpos ficavam azuis e secos instantaneamente, mas o sorriso da Detetive não saía de seu rosto. Faltava poucos segundos para três horas da madrugada, hora do demônio, hora de sacrifícios a ele. A Detetive encarou a mulher que tinha nos seus olhos uma crueldade reconhecida por qualquer um, aos poucos aquele olhar foi desfalecendo e ela virou a adaga para si mesma, apunhalando-se e agonizando no chão mesmo.
Ela pegou a criança no colo que abria um largo sorriso para ela, virou-se e quando saía daquele cômodo, deu de cara com um homem de blusa vermelha, olhos azuis e cabelos louros e bem curtos, ele a olhou e disse:
- Não é a primeira vez que você estraga os planos dele!
- E não vai ser a última, acredite!
- Só quero lhe avisar, ele prepara surpresas pra você.
- Pois diga a ele que tente ao menos, pois até hoje nenhum dos seus filhos foram capazes de me causar um sequer arranhão, incompetentes!
- Não subestime-o, ele te ama como se fosse seu filho, mas ele te odeia como se você fosse o pior inimigo dele!
- Não me subestime, Daemon, diga a ele que engula este amor, dele só quero ódio e rancor! - ela sorriu ironicamente.
O rosto do rapaz desfigurou-se e gritou com ela, não era uma voz apenas, eram várias vozes a gritar com ela, a fim de assustá-la. Dela então abriu-se um par de asas cinzentas que fez o homem desaparecer.
A Detetive então dirigiu pela cidade e deixou o bebê na porta da delegacia, e em alguns minutos a policia chegava na casa da família com o pequeno Sam nos braços.
- Senhora, queríamos procurar pistas na sua casa sobre o desaparecimento, de certo quem o sequestrou arrependeu-se e devolveu a criança.
- Mas já veio uma Detetive aqui e colheu as provas.
- A senhora deve estar enganada, houve uma queda da linha da polícia e só pudemos recuperar sua chamada há alguns minutos. - o policial respondeu e a mulher ficou pensativa e não sabia o que dizer.
- Claro que podem, venham comigo! - eles subiram a escada e quando passavam pelo quarto de Benjamin notaram que ele estava deitado na cama de bruços, a mãe foi até ele para acordá-lo e para seu desesperado ele estava sem nenhuma gota de sangue e seu corpo levemente azulado. Pelo chão do quarto haviam penas cinzentas e no criado-mudo uma carta de confissão, onde Ben assumia que havia dado o seu irmão para a seita para que fosse aceito por ela, nela continham todos os detalhes de como conseguiu sair da casa com o bebê e da localização do templo onde iriam sacrificá-lo.
Dias depois no enterro do rapaz, a dúvida era presente em cada rosto dos participantes: Quem ou o que era aquela detetive? Quem matou a todos e como os matou? Quem levou a criança até a delegacia? Ninguém sabia a não ser ela mesma.
Ao final do enterro quando todos iam embora, uma silhueta feminina apareceu por detrás de um túmulo e avistou Sam que abriu um largo sorriso para sua salvadora, a família entrou no carro e foi embora. A mulher então, agachou-se sobre o túmulo do rapaz e começou a falar:
- Sabe Ben,  somos parecidos, temos histórias iguais, ambos nascemos de um erro,  temos pais os quais não há nada de se orgulhar, somos filhos pródigos isso é fato. O que nos difere, é que eu escolhi o caminho certo, você não!
Ela se levantou e pôs-se a andar, mas logo desapareceu dentre a neblina daquela manha nublada e fria.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Carta àquele que faz os corações confusos

Eu nem sei pra que estou escrevendo isso... Tenho medo da sua reação, se vai olhar pra mim com aquele seu jeito ou se vai arregalar os olhos e nem vai falar comigo mais. Não vou te pressionar a nada, saiba disso. Eu só quero saber de você coisas que ficam rondando a minha cabeça toda hora que eu te vejo. Eu sempre me alegro ao ver teu sorriso do lado esquerdo da boca, ele se parece com o meu, é o sorriso mais timido e bonito que eu já vi. Queria saber em quem você pensa quando fixa o olhar em algo e sua mente vaga longe, seria muita sorte a minha se fosse eu a dona dos seus pensamentos. Eu sei que você me olha as vezes, não sei se me ve como sua melhor amiga, aquela que você pode falar suas coisas de menino que eu também saberei falar, não me importo que me veja assim, eu só queria que nesses intervalos de amizade eu recebesse um beijo seu, será pedir muito?
Falei que não ia pressionar e acabei me deixando levar por um desejo bobo meu que ta aqui no peito.
Meus outros amigos sabem muito que com eles eu estou sendo simpática e não estou afim deles, mas com você é diferente, eu não estou sendo simpática contigo, estou afim de você mesmo.
Desculpa ser tão direta, mas cansei de ficar apenas te olhando de espreita!
Sei que você acha que sou a pessoa mais estranha do seu ciclo de amizades e tenho que concordar com você, e falando nisso adoro quando você diz que sou louca e sorri de tão indignado com as coisas bobas que fico dizendo. Eu gosto! Pareço uma pessoa tão perto e tão distante ao mesmo tempo, pareço tão indiferente que as vezes acho que você tem um pouco de receio, mas não o tenha, não há indiferença com você.
Sei que não sou a mais bonita, nem a mais inteligente que você conhece, nem a mais engraçada, mas eu tento ser de tudo um pouco que acho que você gosta.
Vou colocar isso em algum lugar que ainda não sei onde, talvez apenas guarde isso no peito comigo mesmo, ahhh meu Deus, não sei! Esqueça tudo que eu escrevi, esqueça... se você soubesse a confusão que você faz na minha vida toda vez que olha pra mim você iria rir muito de mim.Mas esqueça tudo, é tudo besteira dessa minha mente, não sei onde estava com a cabeça... É só uma coisa boba que fica aqui no meu peito e eu queria te falar, mas deixe isso de lado... logo logo eu esqueço disso também...





(só pra não dizerem que eu não sei falar de amor)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Loucura

Era manhã de domingo e a missa acabara naquele instante, a praça antes vazia agora estava movimentada, cheia de fiéis se dirigindo a suas casas para fazer o tão bem elaborado almoço de domingo. Um homem de terno parecia que há dias não dormia direito, grandes olheiras e o cabelo todo bagunçado vinha saindo da missa quando passou em frente a um banco de praça onde uma senhora pelos seus cinqüenta anos de óculos escuros e bengala o parou:
-Senhor poderia me fazer companhia até minha carona chegar?
-Claro! –sentou-se e soltou um longo suspiro.
-Percebo que estás cansado, não andou dormindo por estes dias estou certa?
-A senhora é vidente? –ele sorriu.
-Não, tem coisas as quais não necessita dos olhos para se ver meu jovem! – ela tirou os óculos por um instante e mostrou-lhe seus estranhos olhos cinza.
-Deve ser terrível ser cega!
-Não é não, deve ser terrível não conseguir ver os caminhos corretos, as portas abertas da vida mesmo tendo olhos tão saudáveis quanto os seus!
-O que disse?
-O mesmo que você  conseguiu ouvir. Sei que estás triste, ouço sua respiração ofegante, o seu coração que bate tão tristonho, sua alma que parece sair de você a cada vez que abre sua boca.
-Estive passando por maus bucados senhora!
-Eu sei, eu sei. Pelo que percebo você veio buscar auxílio em Deus, mas antes você passou noites sem dormir e ingeriu muito álcool. Você buscou três soluções para o seu problema o qual não era de modo algum lutar contra eles, e imagino que depois da igreja você iria se matar. Não há sofrimento que justifique a morte, e sim a morte que justifica o sofrimento.
-Não sei o que fazer!-  ele começou a chorar.
-Até agora você apenas sentou e se lamentou da vida, mas não pensou em resolver seu problema.
-A vida nos impede, sempre! Acho que já estou louco com tudo isso.
-Posso te contar um segredo de como levo a vida? Lutando contra os sofrimentos, lutando contra a desordem em mim mesma?
-Sim.
-Saiba que a loucura não é a pior forma, a loucura é senão ausência de lucidez, ausência daquele senso moral que é estipulado pelo mundo sem ao menos nos consultar dos problemas. Então queira ser louco! Não meça as conseqüências de salvar-se, quer que a sua vida melhores? Corra atrás e esqueça-se do que os outros irão falar, esqueça a lucidez, esqueça o que o mundo diz. – ela se levantou e saiu a pequenos passos ainda dizendo. - Um terço de minha loucura eu guardo no peito, um terço na minha mente e um terço nos olhos. Guardo toda minha lucidez na cabeça, pois enquanto ela briga com um terço de minha loucura, os outros dois terços podem viver em paz! – ela parou em sua frente, e ele levantou os olhos, aquela velha senhora cega agora era uma moça que tinha seus olhos sãos. – Não, você não está louco, não ainda! Apenas está vendo coisas as quais não precisamos dos olhos pra ver. -  a moça então sumiu.

Naquele dia o homem foi até sua casa, procurou sua mulher e a abraçou. Foram-se horas de conversas a fio, foram lágrimas de dor pela perda do filho, foram largos sorrisos de esperança ao ver com a loucura que a vida não tinha acabado ali.