sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Garota sem nome

Todas as tardes lá pelas seis eu me debruçava sobre a janela e procurava avistar ao longe uma silhueta de mulher passando por aquela rua movimentada. O que ela tinha demais? Nada. Mas aquele nada era o tudo que eu procurava subconscientemente numa mulher.
Todas as tardes de segunda a sexta eu tinha o prazer de vê-la voltar da escola, lembro-me bem que foi num dia por acaso que eu a vi pela primeira vez, se não estou enganado foi numa sexta-feira de céu nublado e levemente escuro, vinha ao longe daquela rua sempre movimentada uma garota normal, com sua camiseta normal, sua calça jeans normal, com sua sapatilha comum, com seus fones de ouvidos que mais pareciam um membro a mais do seu corpo e com uma bolsa na qual carregava um caderno apenas.
O cabelo sempre bagunçado apostaria meu dinheiro que ela apenas levantava da cama e passava os dedos por entre os fios de tamanho médio, mas não era um bagunçado qualquer, era o bagunçado, eram apenas alguns fios que se sobressaiam às vezes e que ela timidamente arrumava apenas uma parte por detrás das orelhas pequenas e abertas.
Olhos castanho-avermelhados os quais não poderia se distinguir a tonalidade senão os olhasse contra o sol, boca pequena e vermelha de natureza, rosto branco e com as bochechas levemente avermelhadas, parecia uma vergonha natural que ela expressava. Magra e alta, um pouco sem sal para a maioria dos homens que busca corpos sarados ou às vezes uma gordurinha a mais para apertarem.
Em meio aquelas pessoas que transitavam pra lá e pra cá, ela tenta desvencilhar-se de aglomerados para andar mais rápido, era engraçado vê-la andar, parecia que todos os dias ela deixava o leite no forno e saía porque sempre a via andar depressa, como se estivesses esquecido algo em casa.
O sol estava a se pôr de frente para ela, fazendo com que seus pequenos olhos brilhassem e sobressaísse aquele mistério que me deixou de boca seca, apesar de ver o sol, acima dele estavam muita nuvens, algumas escuras, outras tão serenas. Ela olhou pro céu e quando virou um pouco o rosto ela encontrou meus olhos na janela do segundo andar a observando, como se eu fosse uma ameaça ao céu que ela contemplava, ela me olhou de um modo tão ameaçador que um pouco do meu ar sumiu. Ela logo abaixou os olhos e continuou a andar apressada e poucos segundo depois ela desapareceu em meio à multidão.
O final de semana que procedeu aquela sexta-feira foi uma tortura, eu não saía daquela janela nem que me calejassem os cotovelos, mas ela não apareceu. Apesar de amar os fins de semana, eu não conseguia parar de desejar que aquele terminasse logo, aquela garota sem graça era tudo que havia de engraçado no meu dia.
Logo a segunda-feira chegou, mal consegui estudar pensando nela, pensei tanto, mas tanto, que o rosto dela já havia se desgastado na minha cabeça e só me restava de lembrança os seus olhos. Tinha um medo de esquecê-la e depois perdê-la de minha mente de uma vez por todas, tinha medo de ela não aparecer naquela segunda-feira, que medo absurdo!
Já à tarde debrucei-me novamente e em poucos minutos lá vinha ela de novo, era um ritual continuo e sempre me olhava de modo ameaçador, meu coração disparava sempre, suava frio e chegava a me arrepiar quando ela me olhava.
Mas de certo nada que eu já tivesse visto de mágico nela foi maior do que o que ocorreu há poucos dias, ela vinha naquela rua que naquele dia estava mais vazia, pois se armara uma chuva que parecia ser forte.
 Diferentemente do que ocorriam todos os dias, ela não estava andando depressa, ela parecia estar aproveitando aquele momento. Olhava para o céu sem parar, andava contando os passos e até havia tirado os fones de ouvido e colocado em sua bolsa, algumas gotas começavam a cair sobre o seu rosto e ela nem ao menos demonstrava aversão aquilo.
As gotas pareciam cair mais rápido e cada vez mais forte sobre ela, então, ela fez algo que eu apesar de observá-la a muito tempo ainda não havia presenciado, ela sorriu. Um sorriso apenas do lado esquerdo do rosto, foi um sorriso tímido, mas pra mim parecia ser o sorriso mais alegre que houvesse visto. A chuva caia sobre seu rosto e parecia lhe lavar a alma, eu pensei naquele momento que ela iria criar asas e voaria por aquele céu.
Ela então olhou para janela e me viu, e eu que já estava habituado aquilo me assustei, pois ela sorriu pra mim. Senti como se algo tivesse explodido dentro do meu peito, acho que era felicidade. Ela passou as mãos sobre o cabelo e seguiu a vida dela.
Garota sem nome, sem historia, sem sentido, sem descrição que a cada dia levava o meu nada e o meu tudo de um lado pro outro dentro daquela bolsa, ouvindo o meu silencioso beijo nos seus fones de ouvido.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sem acasos

Em pé sobre um antigo edifício da cidade de Manhhatan estava o jovem neurologista de um dos maiores hospitais da cidade. Ainda de jaleco, com feição preocupada e atônita ele caminhou até o extremo do andar térreo e olhou para baixo, parecia decidido a pular.
- É uma grande decida não acha Dr. Mauttus? Deve machucar um pouquinho. -  disse uma jovem que aparecera lá de repente como se estivesse chegado num passe de mágica, nem um ruído, nenhum passo havia ouvido. Tinha cabelos castanhos escuros, olhos castanhos avermelhados bem vivos, pele branca, boca pequena e uma feição angelical. O neurologista tomou um grande susto e desequilibrou-se mas ela o segurou. - Acalme-se Doutor, não vou deixa-lo cair.
- Quem é você?
- Sempre a mesma pergunta.
- O que você quer?
- Sempre as mesmas perguntas, corrigindo-me! - ela sorriu e logo mudou a feição para tédio. - Não se importe com meu nome, estava aqui de passagem e  resolvi saber o que um homem bem sucedido faz a beira de um prédio, cheguei a pensar que iria pular, olha só que pensamento bobo o meu. - ela sorriu novamente, as vezes sua ironia lhe era garantia de muitas risadas. - O que foi Doutor? De repente calou-se.
- Não é nada, não é nada.
- Sabe Doutor, as vezes o que sabemos sobre o cérebro humano não é o bastante para sabermos de nós mesmos. As vezes o que sabemos de neuroquimica e sentimentos não é o bastante para sabermos o que é felicidade e o que é tristeza, não acha?
- Sim, eu acho! - ele disse num tom de voz tão desanimador e com os olhos cheios de lágrimas.
- Eu, nessa minha vida agindo sem rumo, sem consciencia e sem sentido tenho que lhe dizer que eu sim sei o que é felicidade e o que é tristeza, sei diferencia-los e sei muito bem que a minha indiferença é a linha tenue que separa os dois. Não sou a melhor pessoa do mundo, nem muito menos a pior. Eu tento ajudar as pessoas, não porque a moral humana me influencia ou porque eu acho certo, na verdade eu ajudo nem sei porque. - ela sorriu e sentou-se beira o prédio e ele logo fez o mesmo - É engraçado, eu sei. Se tão diferente que é, isso passa a ser cômico, e eu tendo a acreditar que isso se chama felicidade. Minha felicidade não se resume a uma familia bonita, eu nem ao menos posso ter filho, meus pais já se foram. Não se resume a amigos também, nunca estou no mesmo lugar, nunca dei espaço aos amigos, ficar perto de mim as vezes é perigoso. Minha felicidade é isso, é estar junto de você e dizer assim: Não se mate, tem pessoas que precisam de você! - ela sorriu meio de lado e olhou pra ele.
- Ninguém precisa de mim, a única pessoa que eu tinha na vida eu acabei de perde-la. Ela que sempre lutou para que eu me formasse e salvasse a vida das pessoas, hoje não pude salvá-la. Meu Deus como isso dói no meu peito.
- Esta vendo aquela árvore ali? - perguntou ela vendo ele chorar.
- Sim.
- É outono, e as folhas dela estão caindo. Viu só? Acabou de cair uma folha no chão. Acha que se eu tivesse uma cola super poderosa eu poderia forçá-la a estar junto da árvore?
- Não, é outono e as folhas tem que cair, é natural delas.
- Então... Quando as folhas devem cair como é de natureza delas um dia cair, ninguem pode fazer com que seja diferente!
Ele sorriu timidamente, mas ela sabia que algo havia melhorado em seu coração.
- Porque está aqui? De onde veio?
- Estou aqui para não sei o que vindo de não sei onde! - ela deu um largo sorriso. - Olha Doutor, é como eu disse, as vezes fazemos coisas as quais não temos a mínima explicação para aquilo. O senhor por exemplo, o senhor salva as pessoas porque?
- Não sei, sinto-me na obrigação, alguma coisa aqui dentro me diz para salvá-las e eu quase sempre consigo isso.
- Então, eu sou assim. Uma coisa aqui dentro me diz que tenho estar em tal lugar, a tal hora, e a própria pessoa me dá a entender o que ela precisa. É estranho, mas é normal! Não lhe conheço, não tenho afeto por você, eu tenho um simples sentimento de amor pelo mundo e ao mesmo tempo de ódio por causa das coisas que ele faz. Mas eu os amo, é uma sensação tão gostosa e ao mesmo tempo tão doída, morreria por qualquer ser, e faria de tudo para que nenhum morresse.
- Porque salvar-me? O que há de especial?
- Não sei, eu apenas faço isso que estou fazendo, o meu primo destino é quem se encarrega de mostrar as causas e consequencias dos meus atos quando cruzados com os seus. Bem, preciso ir agora.
- Mas alguém querendo pular de um pédio? - ele sorriu.
- Desta vez é que deixei o frango no forno, não posso deixar queimar, é uma receita nova que aprendi na TV.
- Você é incrível!
- Não sou não. - ambos se levantaram, limparam-se e olharam um pro alto enquanto o médico se afastava da beira do prédio. - Há algo de bom te esperando, há algo de bom que tem de ser feito, pessoas precisam do senhor, boa sorte Doutor Mauttus! Adeus! - ela sorriu e pulou do prédio.
Doutor Mauttus correu até a beira e nada viu, desceu correndo pelo elevador e foi até a rua mas ela não estava lá, ele então começou a caminhar pela rua quando de repente uma criança se solta dos braços da mãe e atravessa a rua correndo. Do outro lado, uma caminhonete aproxima-se em alta velocidade, o médico corre e salta sobre a criança e os dois rolam para a extremidade da rua, desvencilhando-se do carro que freia bruscamente, derrapa e capota em plena rua movimentada.
O médico olha pra criança que apenas sorri e o abraça, a mãe da criança corre até os dois e o agradece da forma mais desesperadora possivel, ela abraça o filho, já havia perdido o marido da guerra do Iraque, perder o filho seria o ultimato a ela e numa troca de olhares mais pura possível, a mãe da criança e o médico sorriram envergonhados, ali nascia um dos sentimentos mais louvaveis do ser humano, aquele sentimento chamado amor que era o motivo daquela mulher misteriosa ainda amar o mundo.
Do outro lado da rua a beira do carro, a mulher misteriosa se abaixava, olhava o corpo do motorista todo ensaguentado, com um enorme corte na testa e uma garrafa de bebida quebrada no teto do carro que agora estava virado para baixo. Levantou a cabeça, olhou para o médico e a mãe da criança que conversavam na rua e sorriu dizendo:
- E ele ainda perguntava o porque de eu querer salvá-lo, seres humanos são tão engraçados. - abaixou-se novamente, balançou a cabeça desapontada - A bebida te mata de varias formas quando misturadas ao volante, você morreu da forma mais irônica possível. É certo e provado - ela se levantou e saiu andando - alguns merecem salvação - olhou para o médico - outros não. - ela olhou para frente e o espirito do motorista ainda tentava entender o que acontecia, caído no chão sem forças, sem vida, sem nada.
Ela continuou a caminha ignorando os lamúrios do homem, então encontrou um homem asiático de terno, cabelo comprido penteado para trás e uma barba bem feita, ao lado dele dois cachorros pretos cujos os olhos não há descrição.
- Eu já fiz o meu trabalho, agora é com você, boa sorte! - disse ela ao asiático que assentiu com a cabeça.
Segundos depois os cachorros arrastavam o espirito do motorista e o médico constatando a morte do homem seguiu levando a criança e a mãe para casa.
Seja ela quem fosse, ninguém duvidaria da veridicidade de suas palavras!