Todas as tardes lá pelas seis eu me debruçava sobre a janela e procurava avistar ao longe uma silhueta de mulher passando por aquela rua movimentada. O que ela tinha demais? Nada. Mas aquele nada era o tudo que eu procurava subconscientemente numa mulher.
Todas as tardes de segunda a sexta eu tinha o prazer de vê-la voltar da escola, lembro-me bem que foi num dia por acaso que eu a vi pela primeira vez, se não estou enganado foi numa sexta-feira de céu nublado e levemente escuro, vinha ao longe daquela rua sempre movimentada uma garota normal, com sua camiseta normal, sua calça jeans normal, com sua sapatilha comum, com seus fones de ouvidos que mais pareciam um membro a mais do seu corpo e com uma bolsa na qual carregava um caderno apenas.
O cabelo sempre bagunçado apostaria meu dinheiro que ela apenas levantava da cama e passava os dedos por entre os fios de tamanho médio, mas não era um bagunçado qualquer, era o bagunçado, eram apenas alguns fios que se sobressaiam às vezes e que ela timidamente arrumava apenas uma parte por detrás das orelhas pequenas e abertas.
Olhos castanho-avermelhados os quais não poderia se distinguir a tonalidade senão os olhasse contra o sol, boca pequena e vermelha de natureza, rosto branco e com as bochechas levemente avermelhadas, parecia uma vergonha natural que ela expressava. Magra e alta, um pouco sem sal para a maioria dos homens que busca corpos sarados ou às vezes uma gordurinha a mais para apertarem.
Em meio aquelas pessoas que transitavam pra lá e pra cá, ela tenta desvencilhar-se de aglomerados para andar mais rápido, era engraçado vê-la andar, parecia que todos os dias ela deixava o leite no forno e saía porque sempre a via andar depressa, como se estivesses esquecido algo em casa.
O sol estava a se pôr de frente para ela, fazendo com que seus pequenos olhos brilhassem e sobressaísse aquele mistério que me deixou de boca seca, apesar de ver o sol, acima dele estavam muita nuvens, algumas escuras, outras tão serenas. Ela olhou pro céu e quando virou um pouco o rosto ela encontrou meus olhos na janela do segundo andar a observando, como se eu fosse uma ameaça ao céu que ela contemplava, ela me olhou de um modo tão ameaçador que um pouco do meu ar sumiu. Ela logo abaixou os olhos e continuou a andar apressada e poucos segundo depois ela desapareceu em meio à multidão.
O final de semana que procedeu aquela sexta-feira foi uma tortura, eu não saía daquela janela nem que me calejassem os cotovelos, mas ela não apareceu. Apesar de amar os fins de semana, eu não conseguia parar de desejar que aquele terminasse logo, aquela garota sem graça era tudo que havia de engraçado no meu dia.
Logo a segunda-feira chegou, mal consegui estudar pensando nela, pensei tanto, mas tanto, que o rosto dela já havia se desgastado na minha cabeça e só me restava de lembrança os seus olhos. Tinha um medo de esquecê-la e depois perdê-la de minha mente de uma vez por todas, tinha medo de ela não aparecer naquela segunda-feira, que medo absurdo!
Já à tarde debrucei-me novamente e em poucos minutos lá vinha ela de novo, era um ritual continuo e sempre me olhava de modo ameaçador, meu coração disparava sempre, suava frio e chegava a me arrepiar quando ela me olhava.
Mas de certo nada que eu já tivesse visto de mágico nela foi maior do que o que ocorreu há poucos dias, ela vinha naquela rua que naquele dia estava mais vazia, pois se armara uma chuva que parecia ser forte.
Diferentemente do que ocorriam todos os dias, ela não estava andando depressa, ela parecia estar aproveitando aquele momento. Olhava para o céu sem parar, andava contando os passos e até havia tirado os fones de ouvido e colocado em sua bolsa, algumas gotas começavam a cair sobre o seu rosto e ela nem ao menos demonstrava aversão aquilo.
As gotas pareciam cair mais rápido e cada vez mais forte sobre ela, então, ela fez algo que eu apesar de observá-la a muito tempo ainda não havia presenciado, ela sorriu. Um sorriso apenas do lado esquerdo do rosto, foi um sorriso tímido, mas pra mim parecia ser o sorriso mais alegre que houvesse visto. A chuva caia sobre seu rosto e parecia lhe lavar a alma, eu pensei naquele momento que ela iria criar asas e voaria por aquele céu.
Ela então olhou para janela e me viu, e eu que já estava habituado aquilo me assustei, pois ela sorriu pra mim. Senti como se algo tivesse explodido dentro do meu peito, acho que era felicidade. Ela passou as mãos sobre o cabelo e seguiu a vida dela.
Garota sem nome, sem historia, sem sentido, sem descrição que a cada dia levava o meu nada e o meu tudo de um lado pro outro dentro daquela bolsa, ouvindo o meu silencioso beijo nos seus fones de ouvido.